segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Retrô - Ele esta voltando =)

Cresce entre os jovens o gosto pelas músicas, filmes, roupas e objetos de design do passado. A onda retro é uma marca da “geração shuffle” – que mistura, com prazer, gostos de várias épocas.

Pratica-se agora, abertamente, o culto pela música, pela moda e pelo comportamento de outras gerações. A garota que se veste como hippie não viveu o movimento hippie. O rapaz que anda de Opala ouvindo Deep Purple não viveu os anos 1970. Eles se associam a um passado que não pertence a eles, e o fazem de uma forma cada vez mais natural, às vezes imperceptível. Não se trata de vestir uma fantasia para dançar rock dos anos 1950 num clube em que todos fazem o mesmo. O que se faz agora é mais universal e mais sutil. Rael não está preocupado em curtir música das gerações anteriores. Apenas o faz. Danielle, embora se identifique com o ideário do movimento pacifista, não faz parte de um clube em que todos se vestem como nos anos 1960. Muitos jovens estão imersos em produtos e ideias do passado e nem percebem. A retromania – também chamada por outros pensadores de “cultura do revival”, “retrorrevolução” e “retrofuga” – está no dia a dia de todos, num movimento alimentado tanto por produtores como por consumidores. “O presente parece um país estrangeiro”, disse a ÉPOCA o crítico musical inglês Simon Reynolds, autor do livro Retromania – Pop’s culture addiction to its own past (Retromania – O vício da cultura pop em seu próprio passado, sem previsão de lançamento no Brasil). “O passado é algo bacana e exótico para a maioria das pessoas. A palavra novo se tornou ultrapassada.”


AS TRÊS CATEGORIAS DO RETRÔ
O livro de Reynolds é uma investigação sobre a cultura retrô e uma compilação de exemplos e ideias que demonstram sua força em todas as artes. Didaticamente, o autor divide as aparições da retromania em três categorias. Antes de tudo, há a presença do passado da maneira com que ele foi concebido originalmente. É o caso de um dos grandes filões da indústria cultural atual: a reedição de discos, filmes, programas de televisão e livros. Tudo está sendo revisto e reimpresso, das grandes obras da literatura mundial aos projetos arquitetônicos de gigantes como a arquiteta ítalo-brasileira Lina Bo Bardi (1914-1992) e o francês Le Corbusier (1887-1965).
Outra categoria da retromania é a presença viva de personalidades que tiveram o auge de sua criatividade décadas atrás e que ainda vivem dessa glória. Astros como Paul McCartney, Eric Clapton e Chico Buarque são verdadeiros dinossauros da música que ainda lotam plateias em suas turnês – e muitos dos espectadores são jovens entusiasmados, não só coroas saudosos. É o mesmo apelo do fetiche pelo vintage – aqueles objetos antigos que, por razões estéticas, tornaram-se novamente valiosos. Por causa disso, proliferam os brechós, os antiquários de móveis de design e se faz, em toda parte, uma verdadeira redescoberta dos acervos familiares.
Por fim, a terceira e mais comum manifestação do retrô enumerada por Reynolds é a apropriação de propostas e estilos de outras décadas por criadores de hoje, que muitas vezes misturam várias tendências do passado em imagens, formas e sons repaginados. É o caso da febre pelas séries de televisão de época, como Mad men, que revive o ambiente da Nova York dos anos 1960, e os remakes de sucessos de audiência, como a novela O astro, da Rede Globo. No cinema, multiplicam-se as refilmagens de filmes que deram certo há 30 ou 40 anos (como Planeta dos macacos, Karatê Kid e Tron) ou se assiste, como agora, a uma retomada vigorosa de temas antigos. O Oscar deste ano está povoado de histórias sobre o passado, que nada têm a ver com os temas contemporâneos que costumavam arrebatar audiências e estatuetas. As aventuras de Tintim – O segredo do unicórnio, de Steven Spielberg, é um bom exemplo. Há também Cavalo de guerra, do mesmo Spielberg, ou A dama de ferro, sobre a ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher. O exemplo mais eloquente é o filme francês O artista – filmado em branco e preto, mudo, contando uma história dos anos 1930, ele ameaça ser a grande sensação do Oscar 2012. “Outras eras tiveram suas próprias obsessões com o antigo, da veneração da Renascença pelo classicismo romano e grego à invocação do medieval no movimento gótico”, diz Reynolds. “Mas nunca houve uma sociedade na história humana tão obcecada pelos artefatos culturais de seu próprio passado imediato.” É como se as transformações no comportamento e a facilidade e a rapidez da produção e do acesso aos bens culturais dos últimos 60 anos tivessem sido tão intensos que agora a humanidade se volta para trás, revolvendo a memória na tentativa de digerir e entender o que se passou.


CRISE DE IDENTIDADE
Para os psicanalistas, a onda retrô não é necessariamente saudável. “A insatisfação do ser humano é estrutural e não tem cura. Achar que o passado era melhor que o presente é uma fantasia”, diz o psicanalista Jorge Forbes, que foi aluno de Jacques Lacan (1901-1981). Seu argumento lembra o filme recente de Woody Allen, Meia-noite em Paris, em que personagens apaixonados pelo passado passeiam magicamente na Paris dos anos 1920. Eles acreditam que aquele período representou uma espécie de Idade de Ouro da humanidade. Forbes explica esse apego como expressão de um movimento reacionário. Ele acredita que as pessoas estão perdidas com a ausência de antigos padrões de comportamento, próprios do pós-modernismo. Lutaram pela liberdade de escolha e, quando ela chegou, muitos se acovardaram e preferiram repousar em padrões do passado. “Numa crise de identidade, é comum ir até o supermercado das identidades prêt-à-porter e vestir a máscara que estiver mais próxima”, diz Forbes. “Um estilo do passado é um disfarce pronto. Está tudo bem, desde que isso sirva apenas como um conforto provisório, de um momento de transição.”
O sociólogo polonês Zygmunt Bauman, autor de livros sobre a pós-modernidade como Amor líquido, disse a ÉPOCA que é hora de deixar de lado a presunção progressista de que a mudança histórica e a inovação cultural ocorrem de maneira sequencial. “Essa visão precisa ser trocada por um modelo pendular”, diz ele. Para ele, daqui em diante, cada uma das tendências pelas quais passamos, mais que um sinal de progressão ou regressão, serão projetos provisórios que rapidamente se tornarão insatisfatórios e precisarão ser substituídos. Bourriaud e Bauman concordam sobre o fato de que hoje a cultura não deve mais ser vista como uma cadeia em que um fato resulta em outro. Em vez disso, o mundo contemporâneo nos oferece a possibilidade de conhecer e viver diferentes acontecimentos culturais, simultaneamente. Sejam eles de ontem ou de hoje. E o futuro? Bem... Talvez em pouco tempo falar de cultura retrô seja também... coisa do passado.


A obsessão com o passado parece ter a mesma força que tiveram, durante boa parte do século passado, as ideias de vanguarda e revolução. Acreditava-se que a cultura deveria progredir em todos os aspectos, sempre. Em seu Manifesto futurista, o poeta italiano Filippo Tommaso Marinetti (1876-1944) fazia a mais ousada proposta de superação do passado entre os pensadores de seu tempo. O texto escrito em 1909 convocava a juventude italiana a desviar o curso dos canais para inundar os acervos de museus, a incendiar as estantes das bibliotecas e a destruir cidades com picaretas e martelos. Não havia nada pior para um futurista que a memória. Os acervos, porém, continuaram intactos e cada vez mais completos e organizados. Mas a ânsia pela novidade e pela próxima revolução existe até hoje. É comum ouvir frases como “não me lembro da última vez em que vi algo genuinamente novo”.

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